Eminem foi entrevistado pelo executivo musical
Steve Stoute para seu primeiro livro “The Tanning Of América: Como o Hip
Hop Criou uma Cultura que Reescreveu as Regras da Nova Economia” (em
tradução livre), que foi lançada em 8 de Setembro de 2011 e se tornou o best
seller #1 do The New York Times. Eminem fala sobre suas experiências com o Hip
Hop, sobre a comercialização do gênero, entre outras coisas. Eu decidi
traduzí-la, e é uma entrevista bem bacana, vale a pena ler.
Mais uma vez, decidi separá-la em duas partes, pois é bem grande.
Leia a primeira parte da entrevista, que aparece no epílogo do livro, abaixo:
SS
(Steve Stoute): As pessoas dizem que o filme 8 Mile é
responsável por ensinar as pessoas a história do Hip Hop.
Eminem:
Eu não sei o quanto 8 Mile ensina as pessoas sobre a história do Hip Hop, mas
algumas pessoas mais velhas vieram até mim depois do filme dizendo: “Eu vi seu
filme. Eu acho que entendo o Hip Hop agora!”. Se o filme teve um efeito
não-intencional de fazer as pessoas respeitarem ou entender mais a música, isso
é ótimo.
SS:
Marshall, vamos começar com o tema
‘inspiração’. Qual o primeiro artista de Hip Hop que inspirou você ao rap e
quando você descobriu que tinha o dom de contar histórias?
Eminem:
Ice-T foi um dos primeiros rappers no qual eu realmente escutei, quando eu
tinha 10 ou 11 anos. Meu tio me trouxe fitas cassetes do Ice-T e o ‘The
Breaking Soundtrack’ tinha a faixa ‘Reckless’. Foi quando eu comecei a me
interessar. Depois, eu fiquei ligado no Run- DMC, nos Fat Boys, e em seguida,
os Beastie Boys apareceram. E os Beastie Boys meio que me mostraram que talvez
isso seria possível (Ser um rapper). Depois, LL (Cool J) provavelmente me fez
querer fazer isso. Quando jovem, eu queria ser como ele. Tipo, literalmente eu
achava que eu era ele. Foi quando eu comecei a escrever raps, e esses raps
soavam como os dele. Eu posso ter dito isso antes, mas foi ele quem realmente
me fez começar com isso e me fez pensar ‘Wow, eu consigo colocar algumas
palavras juntas, elas soam como ele, mas eu sou capaz de rimar essas palavras e
dizê-las em um ritmo similar ao dele.’ Mas quando eu comecei ficar mais velho,
eu lembro de ter pego uma beat do Doug E. Fresh da música ‘Play This Only At
Night’.
SS:
Certo, aquilo era conveniente. Porque
naqueles dias, se você quisesse escutar um rap na rádio, a única coisa que
poderia fazer era escutar e gravar as músicas às duas da manhã. Você iria
escutar a um Hip Hop underground no meio da madrugada porque era a única hora
em que essas músicas seriam tocadas. E algumas pessoas iriam dormir e deixariam
o rádio ligado gravando as músicas a noite inteira.
Eminem:
É, eu era uma dessas pessoas. E a
gravação do Doug E. Fresh foi de uma dessas noites, quando eu caí no sono
enquanto estava gravando. [...] Havia algo em ‘Play This Only at Night’ que me
fez querer contar uma história em cima dela.
SS:
Quando você soube que havia algo que
queria contar? Ou isso partiu de uma experiência particular?
Eminem:
Houve uma história real que aconteceu quando eu estava vivendo no lado leste de
Detroit com minha mãe, onde eu passei a maior parte da minha adolescência.
Havia um vizinho que aparentemente tinha pego seu melhor amigo com sua
namorada, e ele estava batendo na bunda dela. Minha janela do segundo andar era
da mesma altura da janela deles. A cortina estava aberta, então eu podia ver
tudo. Ele acabou com o cara e depois foi bater na mulher. Eu não sei como tudo
terminou, exceto por minha mãe ter chamado a polícia. Na noite seguinte, e não
estou inventando isso, o casal vizinho que morava do lado oposto de minha casa
fez exatamente a mesma coisa.
SS:
Todos tinham casas com dois andares,
as casas eram grudadas umas às outras, com o mesmo número de andares?
Eminem:
Exato. E eu estava olhando pela janela e pensando se eles não estavam fazendo
exatamente a mesma coisa. Mas os dois estavam nus. E ele bateu na mulher de
dentro de casa até o meio da rua. Alguém chamou a polícia e o cara foi pra
cadeia, e foi assim que aconteceu. Então, eu fiz uma história baseada nisso.
Mas essa história pode ter sido uma versão anterior de ‘Love The Way You Lie’
por um lado, por causa do tema. Mas nessa, eu me tornei o herói no final. Minha
mãe tinha um shotgun no armário e eu fingi que era minha no rap. No final da
história, eu terminei atirando no cara para proteger a garota a salvar o dia.
Eu fiz rap sobre todas essas coisas que eu vi acontecer. A história do começo
ao fim, e eu me tornando o herói. Essa foi a primeira vez que eu descobri que
eu podia rimar palavras e contar uma história na mesma música.
SS:
E você não olhou pra trás depois
disso. Então, como você se manteve importante? Você vem fazendo isso durante 12
anos, e o que é importante pra você para não perder sua relevância?
Eminem:
A principal maneira de eu continuar relevante, é estudar o jogo, assistir o que
está acontecendo... Assistir o que os outros artistas estão fazendo. Por quê?
Primeiro, para ficar atualizado e soar atualizado. E segundo, para ter certeza
de que eu não pareço com qualquer outra pessoa ou com qualquer outra coisa que
está por aí. Então, eu quero saber o que está acontecendo. Eu só assisto e
escuto. E também, eu acho que apenas tentar ser competitivo comigo mesmo e
tentar competir com o que está por aí me mantêm importante. E, acima de tudo,
por apenas fazer parte disso. Por que eu amo o Hip Hop.
SS:
Houve um momento em que você realmente
impressionou a todos quando você fez o remix de “Dead Wrong” do B.I.G., e todos
diziam “Nossa, esse cara é incrível!”. Como você se sentiu?
Eminem:
Eu lembro da responsabilidade que eu tive naquela música, e lembro não entender
isso, porque algumas rimas levam mais tempo que outras para serem escritas, e
essa em particular foi rápida. Não levou esse tempo todo para ser escrita – era
algo sobre a batida, entrando lá e estando empolgado por estar em uma música
com o B.I.G., então não levou tempo algum. Eu não entendi por que as rimas que
levam bastante tempo para serem elaboradas não são percebidas e essa foi. Não
que eu estava com raiva de que essa teve atenção ou aceitação.
SS:
É aí que o Hip Hop é foda.
Eminem:
Aquele era, definitivamente uma época foda do Hip Hop.
SS:
Quando você fez isso, eu senti que os
caras do Hip Hop Underground olharam pra você e disseram “Ei, esse cara é
foda.”. E então, eu me perguntei o quão importante aquilo foi para você,
alcançar aquele ponto de não ser considerado ‘mais um rapper branco’ como
Vanilla Ice ou MC Serch. O que você teve que fazer para não ser colocado nessa
categoria?
Eminem: Primeiro, eu curto
bastante o MC Serch.... Eu amo 3rd Bass antes de mais nada. Eu não conseguia
descobrir quem eu gostava mais. Pete Nice ou Serch. Havia algo na voz e no
delivery do Serch que eu realmente gostava. Os dois tinham seu próprio jeito.
Mas, de qualquer forma, mesmo achando que elas eram fodas pra caralho, eu
senti, em primeiro lugar, que eu não queria parecer com ninguém, deixar em paz
qualquer outro rapper branco. Eu apenas quero ser eu mesmo, ser o melhor sendo
eu mesmo e dar o máximo de mim. E sabe, voltando ao passado, eu sendo
competitivo, e indo batalhar com outros rappers, e fazendo esse tipo de coisa,
me ajudou muito a ser eu mesmo. Certamente, isso ajudou em questão de
credibilidade, e ajudou no meu desenvolvimento como um rapper.